A ANPG  e o “Road Show”

28 Apr. 2021 Opinião

 

 

Apesar de inicialmente previsto para dia 6, realizou-se dia 12 de Abril, com uma semana de atraso, o ‘road show’ para os blocos ‘onshore’ das bacias do Kwanza e do Congo. E a montanha pariu um rato: a ANPG não conseguiu fazer melhor do que a Sonangol fez em 2012-13.

Foi novidade o ministro dos Petróleos avisar os presentes que iria ler o seu discurso e, publicamente, dizer que assumia a responsabilidade pelo mesmo. Tudo o resto foi fuba do mesmo pilão.

Ao fazer este comentário, um velho camarada perguntou-me sobre o que eu estaria à espera: muito simplesmente estava à espera de uma série de medidas que pudessem trazer os investidores para o terreno. Por outras palavras, esperava por um trabalho muito mais alargado, uma reforma profunda e significativa da actuação do sector.

Obviamente que a idade do petróleo está a chegar ao fim e, como tal, não há muito tempo a desperdiçar. Portanto, eu estava à espera de medidas que fossem possibilitar e até facilitar o desempenho da indústria tendo em consideração o pouco tempo disponível. Para tal, há que criar condições para que os actores privados reajam de acordo. Basta o risco de sucesso de exploração, contrariamente ao risco de conversar e depender de concessionários. Afinal de contas, é nessa conversa e dependência que se aloja a corrupção. Como o faria se eu fosse a entidade reguladora?

Até ao presente o relacionamento com as empresas de petróleo tem sido feito através de contratos de partilha de produção, (‘PSA’), a excepção do contrato do Bloco 21. Esse modelo contratual, que foi o motor da nossa indústria, está ultrapassado para além de ser o culpado de grande parte da miséria e corrupção com que o país vive. Quais as razões para, em paz de espírito, eu fazer esta afirmação?

1.º - A essência do contrato fixa o Governo como proprietário do recurso e, através dele, partilha o recurso com a instituição que financia a exploração.

2.º - A empresa que financia a exploração tem direito a recuperar todo o investimento feito acrescido de um juro (‘uplift’) que varia entre 30 e 50%.

3.º - Pese o facto de hoje já não necessitarmos de encorajar a indústria a “vir para Angola”, uma vez que o risco diminuiu com a quantidade de descobertas feitas até agora, o ‘uplift’ é prejudicial porque reduz o lucro para país.

4.º - Com o ‘uplift’, quanto mais a empresa gasta, maior o juro que recebe o que agrada sobremaneira as multinacionais e, como tal, a empresa tem o encorajamento que necessita para não reduzir custos, podendo, muitas vezes, fazer exactamente o contrário.

5.º - Eliminando o ‘PSA’ e criando um sistema de titularidade dos recursos, as empresas terão o encorajamento para melhorar a eficiência, cortar os custos e aumentar a produção, neste momento a baixar para os piores níveis dos últimos 10 anos para cerca de metade do que já foi

6.º - Sem ‘PSA’, elimina-se o território escorregadio da influência indevida, o que é o suporte dos altos níveis de corrupção que afecta a indústria e a vida do país.

Ao eliminar os ‘PSA’, iríamos recomeçar uma nova página realmente muito mais atractiva não só para os velhos produtores, mas também para os produtores ‘onshore’ para quem o ‘road show’ se destinava.

Pessoalmente, estava à espera que, neste ‘road show’, a ANPG colocasse à disposição dos candidatos nacionais, os pequenos empresários que se querem atirar de cabeça nessa aventura em vias de expirar, uma série de medidas encorajadoras fáceis de seguir e transparentes. Pessoalmente, eu esperava o seguinte:

1. Um concurso público para os blocos que solicitasse um programa de trabalho específico e dinâmico.

2. Esse programa de trabalho seria acompanhado duma garantia de capacidade financeira suficiente para a execução do programa de trabalho e, deste modo, garantir a obtenção do bloco, sem ‘PSA’.

3. O Governo, conforme representado pela ANPG, teria direito a um ‘royalty’ escalonado a partir dum nível de produção determinado, sem quaisquer obrigações de participação no investimento.

4. As empresas ficariam sujeitas a impostos sobre os lucros obtidos como é normal, podendo mesmo a taxa ser nominalmente mais elevada a ser definida pelo Ministério das Finanças.

5. Os dados existentes deveriam ser colocados à disposição das empresas para que pudessem fazer uma avaliação preliminar a fim de determinarem o seu interesse sem o pagamento de um milhão de dólares para o fazer. 

Deste modo, o Governo deixaria de ser parte integrante da despesa de exploração e o risco ficaria exclusivamente nas mãos das empresas. Por sua vez, sendo as empresas proprietárias dos recursos, o interesse junto da banca para proceder ao financiamento tornar-se-ia muito mais substancial e, como tal, ficaria muito mais fácil obter os financiamentos necessários para o desenvolvimento, expansão, alargamento e melhoria das condições de operações. É que os bancos internacionais não se importam de ter na sua folha de contas um portfólio com reservas de petróleo e gás.

Em sumário, o ‘road show’ não trouxe nada de novo e, como já se verificou na oferta dos blocos das bacias de Benguela e do Namibe, vai ser mais um ‘flop’. As multinacionais que operam em Angola não irão participar porque os campos possíveis são demasiado pequenos para os seus objectivos e dimensão. As petrolíferas nacionais, incluindo a Sonangol, só participarão por uma questão de solidariedade com a Agência. E mesmo estas, por questão de risco e coragem para investir, estarão de olho em ‘joint-ventures’ com investidores estrangeiros juniores que não se sentem encorajados pelos altos custos operacionais, pelas dificuldades burocráticas e ambientais que se avizinham, e porque o apetite para os hidrocarbonetos está a esfumar-se. É que o ‘deadline’ já está à vista.

Por outro lado, este ‘flop’ irá certamente acender a luz vermelha que irá pôr fim à projectada aventura e assalto à bacia do Okavango.

Portanto, aqueles que, como eu, pensavam que iria realmente haver uma oportunidade para a Somoil, Prodoil e ACREP Angola, para além de várias outras que poderiam surgir, viram essa oportunidade esfumar-se por entre os dedos. A falta de experiência sobre um modelo diferente de operar a indústria petrolífera está realmente a afectar a melhoria do seu desempenho em Angola para o benefício do Ministério das Finanças. Ao manterem-se os ‘PSA’, que as multinacionais adoram, menos ‘income’ fica no país para a melhoria da saúde, educação e bem-estar geral das populações. Estando a indústria de petróleo a caminhar para o seu termo a passos largos, não se compreende a decisão de quem manda.

Ainda vamos a tempo de reverter esse quadro maleficente. O alargamento da indústria é possível e poderá ser lucrativo sobretudo tendo em conta o fim próximo da indústria. Mas há que reagir de forma rápida e eficiente. Espero que a ANPG se ajuste com a rapidez devida e se adapte aos dias de hoje. O PSA é pré-histórico tal qual os crocodilos do Panguila. Há que pô-lo no museu. Só assim, iremos corrigir o que está mal e melhorar o que está bem. E quem ganhará é o povo. O futuro promete.

António  Vieira

António Vieira

Ex-director da Cobalt Angola